Pesquisadores europeus demonstraram que é possível gerar hidrogênio combustível e reduzir a carga orgânica de esgoto municipal usando apenas luz natural, um catalisador barato à base de dióxido de titânio (TiO2) com traços de platina e um reator compacto semelhante a um painel solar.
O trabalho, detalhado na revista Advanced Functional Materials, manteve o sistema em operação contínua por 27 dias ao ar livre no campus Sescelades da Universitat Rovira i Virgili, na Espanha. Durante o período, o dispositivo produziu gás diariamente em sincronia com a intensidade solar, sem necessidade de energia elétrica externa.
Como funciona o processo
O reator executa a fotoreforma solar, reação em que compostos orgânicos presentes na água são oxidados enquanto prótons se convertem em hidrogênio sobre a superfície catalítica. Diferentemente da eletrólise da água pura, a oxidação dos poluentes exige menos energia, permitindo a operação em condições brandas e combinando tratamento de efluentes com produção de combustível.
Estrutura do reator
O equipamento consiste em uma base rasa revestida por uma fina camada de TiO2 (entre 4 µm e 30 µm) contendo uma pequena quantidade de platina. Um vidro de borossilicato transparente fecha o conjunto, que inclui entradas para líquido e gás, além de saída combinada. Uma bomba de baixo consumo recircula o esgoto entre o painel e um reservatório, enquanto o hidrogênio gerado sobe naturalmente até um cilindro coletor, eliminando etapas de separação do catalisador.
Testes em laboratório
Antes do ensaio externo, a equipe avaliou três correntes de uma estação de tratamento: afluente bruto, lodo do decantador primário e lodo do decantador secundário. Sob luz ultravioleta, o lodo primário gerou mais de 1.500 µmol de H2 por grama de catalisador em três horas. Sob luz solar simulada por 24 h, o valor caiu para cerca de 720 µmol g⁻¹. O afluente bruto rendeu aproximadamente 1.300 µmol g⁻¹ no mesmo período, mostrando melhor desempenho diante de moléculas orgânicas mais simples.
Operação em ambiente externo
Instalado com inclinação de 30°, o painel foi validado primeiro com solução de 1 % de glicerol por 16 dias. Em seguida, recebeu esgoto municipal não tratado por 27 dias, acumulando cerca de 160 h de irradiância entre 600 W m⁻² e 900 W m⁻². O hidrogênio predominou na primeira semana, com picos nos dias 2 e 5. Depois, mesmo com concentrações abaixo do limite de detecção devido a purgas com argônio, a formação contínua de bolhas indicou que a geração de gás prosseguia.
Imagem: Nanowerk https
Melhora na qualidade da água
Durante o teste com esgoto, a demanda química de oxigênio (DQO) caiu de 902 mg L⁻¹ para 686 mg L⁻¹. O pH desceu de 8,7 para 7,8, enquanto a condutividade aumentou de 2.400 µS cm⁻¹ para 2.800 µS cm⁻¹, refletindo a quebra de moléculas grandes em íons menores. Cromatografias detectaram intermediários como acetato e formiato, que desapareceram ou oscilaram ao longo do ensaio, confirmando as rotas de oxidação esperadas. Não houve formação de biofilme sobre o catalisador.
Limitações e próximos passos
O TiO2 só absorve radiação ultravioleta, fração pequena da luz solar. Extender a resposta ao espectro visível ou otimizar a dispersão de luz pode aumentar a eficiência. Além disso, a platina eleva o custo; pesquisas buscam cocatalisadores mais baratos. Mesmo assim, o estudo comprova a viabilidade técnica de integrar painéis fotocatalíticos a estações de tratamento para gerar energia e ao mesmo tempo depurar a água.
Com informações de Nanowerk


